A bicicleta que antes ficava rodeada por pessoas e carregada de salgados e sucos por todos os bairros que percorria em Fortaleza teve, no último mês, cada dia menos gente ao redor, ou até ninguém. Márcio - nome fictício do proprietário da bike, trocado a pedido dele - permanece insistindo na rotina diária de sair cedo e voltar à noite para casa, infringindo o decreto estadual de isolamento social na tentativa de sustentar a mulher e o filho com o trabalho de vendedor de lanches. Mas o resultado não tem sido favorável.
A história de Márcio expõe a fragilidade da população mais vulnerável, de trabalhadores autônomos e informais cuja participação na economia sempre foi ativa, mas, diante da crise gerada pelo novo coronavírus, torna-se insustentável. Os primeiros trinta dias de isolamento social afetaram bruscamente os negócios e a renda.
Com fábricas, lojas e escritórios fechados, não há mais quem compre seus produtos. "Antes eu trazia 70, 80 lanches, mas hoje trago só 30 e nem vendo tudo. Para quem recebia R$ 250, R$ 300 por dia, hoje, eu tiro nem R$ 50. Eu faço a mesma rota que fazia antes, mas tudo está fechado, não tem ninguém para comprar", lamenta.
Com a redução da renda, Márcio teve de buscar o apoio do auxílio de R$ 600 anunciados pelo Governo Federal. Mas até agora não obteve a aprovação pelo aplicativo da Caixa. Ele contou que, juntamente com sua esposa, fez o cadastro no primeiro dia de liberação do programa. O processo, no entanto, segue em análise. Sem a ajuda, Márcio continua saindo em busca das vendas, mesmo com o risco de contágio pelo coronavírus.
Ele diz não ter medo de "pegar" a Covid-19, mas teme a possibilidade de passar para o filho ou a mulher. "Eu tenho fé que eu não vou pegar. Deus me proteja", pede.
Com a renda reduzida a um quinto do que faturava antes da pandemia, o trabalho nos três primeiros dias desta semana deu apenas para conseguir continuar comendo e preparando os lanches, mas a fatura do cartão de crédito está atrasada, assim como outros gastos essenciais da família.
E o cenário não é diferente para as empresas, que sentem os impactos da redução da atividade econômica, mas ainda não mensuram perdas.
Comércio
Medida em outras escalas, a pandemia também tem afetado o comércio formal tanto quanto o informal. Segundo o presidente da Federação do Comércio do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), Maurício Filizola, várias empresas já relataram demissões de funcionários por não conseguir pagar as contas nesse momento de dificuldade. A Fecomércio, contudo, ainda não contabilizou oficialmente o número de postos encerrados até aqui.
Filizola conta que a redução de atividade econômica forçou empresários, sim, a fazerem cortes no quadro de funcionários e prejudicou a relação com fornecedores e clientes. Com faturamento reduzido, fornecedores não estão conseguindo honrar contratos, enquanto clientes têm feito menos compras durante esse primeiro mês de pandemia do coronavírus no Ceará.
Membro do comitê do Governo Estadual de combate à Covid-19, Filizola relatou que tem recebido pleitos de empresários de todo o Estado para que o comércio possa reabrir, e que tem levado essas demandas ao Governo. Apesar de reconhecer a questão da saúde como muito importante e que precisa ser levada em conta, fazendo com que a reabertura do comércio seja bem planejada e com cautela, ele defendeu que a vida das empresas seja, também, considerada nesse momento.
"Todos os sindicatos filiados na nossa base trazem clamores para que possamos voltar a trabalhar, nem só os empresários, mas também a classe trabalhadora. Agora, claro que essa volta terá de ser pensada com cautela, com uso de máscaras, álcool em gel e horário reduzido. Mas falta, por parte do Estado e dos Municípios, abrir esse canal de diálogo mais abrangente", disse.
Indústria
A indústria também tem sentido os impactos do primeiro mês de isolamento social. Contudo, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, ponderou a situação, dizendo que não há "necessidade de fazer balanços, pois por mais que o façamos, tudo nos parecerá pequeno diante do tamanho que o problema se mostra capaz de alcançar".
Ele destacou os esforços da Fiec em colaborar com o Poder Público no combate ao coronavírus. Ele contou que a Fiec tem se organizado e já entregou às unidades de saúde envolvidas no atendimento a pacientes infectados por Covid-19, 18,47 mil protetores faciais, 3,9 mil máscaras em TNT, 200 aventais, 93,9 mil moldes de máscaras de tecido, além da produção de 100 litros de álcool em gel por dia.
Cavalcante revelou que a Federação está trabalhando para estruturar uma rede de apoio ao sistema produtivo, negociando com os governos Federal, Estadual e Municipal, o sistema financeiro e demais órgãos competentes.
"Estamos atentos a potenciais desdobramentos econômicos como ampliação das demandas por serviços e a possível redução de recursos disponíveis, temos ainda traçados planos de reestruturação organizacional do Sistema Fiec, de modo a podermos atender a contento as nossas indústrias e seus quadros, quando da retomadas das atividades", explicou Cavalcante.
Economia
Para o economista Ricardo Eleutério, o segundo trimestre de 2020 será o pior momento econômico deste ano, sendo impactado pela pandemia do novo coronavírus. Ele explicou que o Ceará deverá passar por um cenário semelhante a todo o mundo, sentindo a redução da atividade econômica de forma mais incisiva durante o período de isolamento. Mas ele afirmou que o segundo semestre já deverá apontar para uma recuperação, apresentando números melhores.
"A queda da atividade econômica será acentuada em todo o mundo, impactando o Ceará também, mas para o segundo semestre devemos ter uma melhora ou parada de queda, porque com o achatamento da curva de contágio, o isolamento será flexibilizado, mas a gente ainda deverá encerrar o ano com uma queda grande", avaliou.
Eleutério destacou que, no entanto, não será uma recuperação fácil, já que 75% do Produto Interno Bruto do Ceará, assim como várias regiões do mundo, é representado por comércio e serviços, setores extremamente impactados pela pandemia do coronavírus. Além disso, o economista ressaltou que será preciso que o Governo Federal adote uma postura diferente a partir desta crise, aumentando a presença do Poder Público na economia, adotando medidas para romper o ciclo da crise.
"O Governo precisa aumentar a presença na economia para compensar o freio no setor privado, aplicando renúncias fiscais para segurar a capacidade de investimento e consumo", disse Eleutério. "Temos que ter um redução de tributos, e precisamos de uma política 'keynesiana', que indica uma política fiscal para evitar o fundo do poço. Precisamos de uma política anticíclica, aumentando investimentos públicos para dar um ânimo na economia. Isso feito em 2008 e outras crises", completou.
Com informações do Diário do Nordeste.
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