O Ceará é o Estado nordestino com maior produção per capita de resíduos sólidos por dia – 1,06 Kg, segundo balanço inédito obtido com exclusividade pelo Diário do Nordeste, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), com base no Panorama dos Resíduos Sólidos, de 2019.
O estudo marca os 10 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e aponta que apenas nos estados de São Paulo (1,38 Kg), Rio de Janeiro (1,31 Kg) e Amazonas (1,07 Kg), os índices foram superiores aos do Ceará.
Em uma década de criação da PNRS, os gargalos ainda são inúmeros. Estima-se que, no País, 29 milhões de toneladas de resíduos são encaminhadas anualmente para unidades inadequadas que poluem o meio ambiente. No Ceará, das 2,4 milhões de toneladas de lixo produzidas no ano, cerca de 1,3 milhão (55,2%) é descartada de forma irregular. Isso significa que, a cada dia, 5.345 toneladas de resíduos são despejadas em lixões ou aterros controlados – onde o solo não é impermeabilizado e não existe tratamento do chorume.
Há 10 anos, quando o Estado produzia 6,7 mil toneladas de resíduos por dia – cerca de 2,9 mil t a menos do que é produzido hoje (9.684 t), a estrutura já era insuficiente.
“O total de resíduos gerados no Ceará não inclui apenas o que produzimos em nossas casas. Temos os resíduos industriais, rurais, comerciais. Nenhum desses seria gerado se não fosse demandado”, destaca a professora e pesquisadora do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária do campus da UFC em Crateús, Luana Viana. “A preocupação de governos, ONGs e diversos outros setores, quando existe, em geral, se limita aos resíduos pós-consumo”.
Segundo a pesquisadora, no entanto, isso constitui apenas a “ponta do iceberg” de um problema maior. “Na maioria das vezes, são projetos em prol da reciclagem, o que não condiz com o que a Política Nacional nos orienta: primeiro, não gerar; se o consumo for inevitável, devemos, pelo menos, reduzi-lo; depois de gerados, primeiro devemos tentar reutilizá-los e, se nada disso for possível, direcionar para reciclagem ou disposição final, nesta ordem”, aponta. “Precisamos repensar nosso modo de vida. O desenvolvimento que temos que almejar é o sustentável”.
Hoje a pesquisadora reconhece que há ações pontuais “em prol da redução de resíduos, mas, em geral, para manter o mesmo nível de consumo”, o que, avalia Viana, “acaba sendo uma faca de dois gumes”.
Gargalos
O diretor presidente da Abrelpe, responsável pelo estudo, Carlos Silva Filho, aponta que este é um momento importante (10 anos do PNRS) para debatermos a gestão de resíduos sólidos no País. “Após uma década de vigência, ainda não temos nenhum Estado que cumpra completamente a política nacional”, aponta, ressaltando que as dificuldades decorrem de dois principais problemas, sendo o primeiro, “a falta de recursos aplicados no setor”. Em 2010, cada município demandava, em média, R$ 9,95 per capita, por mês, para limpeza urbana (coleta, serviços de limpeza em praças, jardins, etc).
Em 2019, ano do último levantamento, “cada município aplicou apenas R$ 10,15 por habitante”, apesar da geração de resíduos ter aumentado 11%, no período – de 71,2 milhões de t/ano para 79 milhões de t/ano. “Para avançar, precisa-se de recursos”.
“O segundo ponto é que também não conseguimos avançar com os planos estratégicos. Hoje, 30% dos municípios não têm um plano de gestão”. Além disso, mesmo os que têm estes documentos, enfrentam “uma dificuldade para transpor o texto da lei para a prática”, detalha.
A avaliação é compartilhada pelo secretário do Meio Ambiente (Sema) do Ceará, Artur Bruno. Segundo o titular, o Estado avançou no aspecto do planejamento, mas precisa, agora, “focar em colocar em prática todo esse esforço de planejamento”. Entre as políticas elaboradas estão a Publicação da Lei Estadual de Resíduos Sólidos e do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, “instrumentos que vão direcionar as ações visando a melhoria da gestão”, aponta Bruno. Para esta efetivação alguns gargalos ainda são sentidos.
Um dos exemplos é a existência de 310 lixões no Estado, segundo o último levantamento realizado, em 2017. No último ano, o titular da Sema projetou, durante o 1° Seminário Nordeste de Resíduos Sólidos, a exclusão de todos os lixões (proibidos por lei) em até 20 anos. Para isso, a Sema está capacitando e estimulando metas junto aos consórcios públicos do Estado.
“Terão que cumprir cronograma de implementação das iniciativas e implantação das instalações físicas definidas pelos Planos Regionalizados de Coletas Seletivas Múltiplas”.
Outro sinal de alerta está na cobertura de coleta dos resíduos sólidos urbanos. Segundo o balanço inédito da Abrelpe, apenas 10 estados brasileiros têm índice acima da média nacional, estando São Paulo (99,6%), Rio de Janeiro (99,5%) e Santa Catarina (95,84%) na ponta.
Mesmo sendo um dos estados que mais produz lixo, o Ceará (80,1%) está entre os cinco últimos, à frente apenas do Maranhão (63,9%), Piauí (69,2%), Pará (76,7%) e Rondônia (78,9%).
Avanços e desafios
Apesar do cenário ainda preocupante, o titular da Sema aponta, com base nos dados do Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente (IQM), 12 municípios cearenses que apresentam bons parâmetros e despejam, hoje, seus resíduos de forma correta – em aterros sanitários. Um deles é Sobral. O Município envia os resíduos produzidos para a Central de Tratamento de Resíduos (CTR), por meio do Consórcio de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de Sobral, que contempla 18 cidades. Em média, cada sobralense produz entre 800 gramas a 1 Kg de resíduo domiciliar por dia – o que representa cerca de 208t geradas a cada 24 horas na cidade. Além disso, existe o material produzido pelos “grandes geradores” (empresas, fábricas, universidades).
“O teto que a gente recebe é até 400 toneladas ao dia, somando tudo”, explica Cirliane Diana, coordenadora do Núcleo de Coleta Seletiva de Sobral. Para ela, mesmo com a melhora no despejo dos resíduos, é preciso ter consciência ambiental. “Não adianta ter toda uma estrutura e a população não participar”.
Para tentar reduzir esse impacto, cada um dos 18 consorciados irá contar com uma Central Municipal de Reciclagem. “A reciclagem também melhora a condição do meio ambiente e fazemos a CTR durar mais do que o previsto, além de proporcionar renda aos moradores”, destaca.
Com informações do Diário do Nordeste.
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